Começo o texto
dizendo que tenho consciência de que muitos intelectuais e pesquisadores tais
como Luiz Palmier, Maria Nelma de Carvalho, Luciano Campos Tardock, Jorge
Pereira Nunes, Sérgio Toledo teceram, de forma ímpar, sobre a vida e a obra de
Vicente Licínio Cardoso, inclusive quero ressaltar que minha escrita é muito
influenciada pelos supracitados.
Vicente
Licínio Cardoso era um sujeito diferenciado, muito à frente de sua época. Ele
era fascinado por estatística e seu poder em conhecer com mais clareza o
território aliado ao seu conhecimento acadêmico oriundo da escola politécnica
com formação em engenharia civil e estudos influenciados pelo pai sobre o positivismo
de Comte. Ademais, seu capital cultural transborda com experiências de viagens
para os Estados Unidos e Europa o que evidencia um frescor e vivências
progressistas nos seus pensamentos.
Vicente
Licínio foi nomeado aos 26 anos de idade prefeito de São Gonçalo[1] pelo
então governador do Estado do Rio de Janeiro, Nilo Peçanha, através do decreto
1.490, de 17 de junho de 1916, que restabelecia o lugar de prefeito no
município de São Gonçalo (PALMIER, 1940, p.216).
São Gonçalo no
início do século XX, recém emancipada de Niterói (1890/92), era considerada uma
cidade essencialmente agrícola, mas com grande impulso ao desenvolvimento
industrial e com uma a população com baixo nível de escolaridade. Uma das
primeiras ações do prefeito foi solicitar um censo (Censo Municipal de 1916)
que destacasse os pilares: agricultura, indústria e educação.
Os dados do
censo municipal de 1916, guardadas as devidas ponderações metodológicas,
revelaram uma população de 29.924 habitantes, onde 29,3% dos moradores eram
analfabetos (PALMIER, 1940, p. 131). Foi encarado pelo gestor como um grande
desafio diminuir esse índice. Importante ressaltar que os dados dos censos de
1872 e de 1920 apresentaram uma taxa relativamente maior de analfabetos no
Estado do Rio de Janeiro sendo 74,2% e 53,4% respectivamente. (FERRARO;
KREIDLOW, 2003), ou seja, mais que o dobro averiguado na pesquisa municipal.
A preocupação
com a educação perpassa todos os escritos de Vicente Licínio Cardoso, e pode
ser considerada um dos eixos centrais de sua atuação intelectual e curta
passagem política. Um dos primeiros atos de Vicente Licínio Cardoso foi
solicitar junto ao então governador Nilo Peçanha o pedido de construção do
primeiro colégio público no centro da cidade de São Gonçalo[2].
Foto Panorâmica do centro de São
Gonçalo: 1- Colégio Nilo Peçanha; 2- Comércio do Zé Garoto; 3- Farmácia
Tamoio; 4- Onde fica a Praça; 5- Ponte
Sobre o Rio Imboassú; 6- Transporte de Bonde. Fonte: PALMIER, 1940
O colégio em
questão é o Colégio Nilo Peçanha, situado no centro de São Gonçalo. Ele foi
inaugurado em 21 de abril de 1917, com a presença do governador, patrono da
educação, Nilo Peçanha, do ex-prefeito e idealizador do edifício Licínio
Cardoso e da primeira diretora professora Albertina Campos. A escola tinha
capacidade para 600 alunos e tornou-se referência em educação na cidade.
Segundo
Palmier (1940), Vicente Licínio, além de solicitar e idealizar a construção de
um colégio público Nilo Peçanha, reformou parte do centro urbano, início de um
plano de urbanismo, com a reforma da antiga vila, destruição de casebres,
construção do edifício do atual pronto socorro do centro de São Gonçalo, das
Exposições Gerais, fez estatísticas e, mais que tudo, traçou, em memorável
mensagem, dirigida ao Legislativo, em fevereiro de 1917, o mais completo estudo
de todos os problemas do município, para um plano de execução de
longos anos.[3]
São Gonçalo no
início do século XX tinha um respeitável parque industrial. As indústrias
estavam localizadas no perímetro urbano: fábricas de fósforos, vidros, doces,
tintas, grandes fornos, laminação, produtos de pesca, cerâmica, seda cáustica e
tantas outras, aglomeram-se muitas vilas que reúnem população de alguns
milhares de operários. (ver Vila
Operária Vila Laje). Sabedor do potencial industrial e logístico do
território, vislumbra o crescimento ao oportunizar isenções fiscais para a
instalação de antigas e novas indústrias, principalmente na região dos Portos à
margem da Guanabara.[4]
Aos cidadãos
inadimplentes do imposto municipal (Décima Urbana e Taxa Sanitária) o prefeito
tinha uma proposta e propósito a oferecer ao cidadão gonçalense: dedicação ao
progresso de São Gonçalo. Aqueles que deixaram de pagar entre os anos de
1913 a 1915 foi proposto a redução de até 50% das multas.[5]
Em 23 de março
de 1917, após 9 meses de gestão pública, Vicente Licínio Cardoso pede
exoneração do cargo de prefeito de São Gonçalo.[6].
Foi a única vez que entrou na carreira política. Não se sabe o porquê do pedido
de exoneração. Vicente Licínio suicidou-se com um tiro no peito no Hotel
Payssandu, no bairro do Flamengo (bairro do Rio de Janeiro), na cidade do
Rio de Janeiro, em 10 de junho de 1931, sete meses após ter feito uma primeira
tentativa.
Foi, sem medo
de errar, um dos primeiros gestores da cidade a traçar um planejamento visando,
como gosta de ressaltar meu amigo escritor Mario Lima Jr. a vocação do
território, principalmente no que se refere à cultura, educação e a economia. O
objetivo do texto foi apresentar esse personagem enquanto homem político e
estudioso das ciências sociais, bem como sua preocupação com a educação e sua
influência na sistematização de dados populacionais para conhecer a vocação da
cidade de São Gonçalo. Foi, como dizia Luiz Palmier, um “colaborador do
progresso” muito pouco reconhecido, sobretudo, em São Gonçalo e quero trazer
essa escrita em forma de homenagem e resgatar o seu legado na cidade.
Mini Bio Vicente Licínio Cardoso
- Vicente Licínio Cardoso nasceu no Rio de Janeiro, então capital do Império, no dia 3 de agosto de 1889;
- Em 1901 iniciou o curso secundário no Colégio Pedro II;
- Antes de se formar, aos 14 anos foi um dos fundadores do Botafogo Football Club em 12 de agosto de 1904, o que viria mais tarde a se fundir com o com o Club de Regatas Botafogo, formando o atual Botafogo de Futebol e Regatas;
- Formou-se bacharel em letras em 1906;
- Em fevereiro de 1908 fez exame de admissão para a Escola Politécnica e formou-se engenheiro civil no fim de 1912;
- Como arquiteto, manteve um escritório de projetos entre os anos de 1913 e 1921.
- Tendo prosseguido seus estudos na Escola Politécnica, formou-se engenheiro geógrafo em maio de 1916;
- Aos 27 anos foi nomeado prefeito de São Gonçalo em 1916 e pediu exoneração do cargo depois de 9 meses;
- Em 1924 foi sócio fundador da Associação Brasileira de Educação (ABE) e presidente em 1928;
- Em 1930 foi o primeiro passageiro brasileiro no voo inaugural do “Graf” Zeppelin da Europa para o Brasil;
- Em 10 de junho de 1931, aos 42 anos de idade suicidou-se com um tiro no peito no Hotel Payssandu, no bairro do Flamengo, Rio de Janeiro, dado que sofria de um quadro de depressão que o afetava desde algum tempo;
- Em vida, deixou suas obras Arquitetura norte- (1916), A filosofia da arte (1918), Pensamentos brasileiros, Vultos e ideias (1924), À margem da história do Brasil e, postumamente, Maracãs (1934).
[1] Jornal O
Fluminense (RJ) - 1910 a 1919. Ano 1916\Edição 09914 Disponível
em: http://memoria.bn.br/DocReader/100439_05/9474?pesq=%22Vicente%20Licinio.
Acessado em: 01/01/2021
[2] Jornal O
Fluminense (RJ) - 1910 a 1919, Ano 1916\Edição 09922 , 2 de julho de
1916. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/100439_05/9505.
Acessado em: 01/01/2021.
[3] Jornal O
Fluminense (RJ) - 1910 a 1919. Ano 1917\Edição 10158 . 25 de
fevereiro de 1917. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/100439_05/10467?pesq=%22Vicente%20Licinio Acessado
em: 01/01/2021.
[4] Jornal O
Fluminense (RJ) - 1910 a 1919. Ano 1916\Edição 09990. 08 de setembro de
1916. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/100439_05/9781 Acessado
em: 01/01/2021
[5] Jornal O
Fluminense (RJ) - 1910 a 1919 . Ano 1916\Edição 09931. 11 de julho de
1916. Disponível em> http://memoria.bn.br/docreader/100439_05/9543?pesq=%22Vicente%20Licinio.
Acessado em 01/01/2021.
[6] Jornal O
Fluminense (RJ) - 1910 a 1919. Ano 1917\Edição 10235. 14 de maio de 1917.
Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/100439_05/10778?pesq=%22Vicente%20Licinio.
Acessado em: 01/01/2021.
Referências
FERRARO, Alceu R.; KREIDLOW, Daniel. Analfabetismo no
Brasil: configuração e gênese das desigualdades regionais. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL:
POLÍTICAS PÚBLICAS, POBREZA E EXCLUSÃO SOCIAL, Ijuí: UNIJUÍ, 2003
NUNES, Jorge Cesar Pereira. Chefes do executivo e
vice-prefeitos de São Gonçalo. Niterói: Nit press, 2006
PALMIER, Luiz. São Gonçalo cinquentenário: história,
geografia, estatística, Rio de Janeiro: IBGE, 1940. Disponível em: http://memoria.org.br/pub/meb000000303/sgonca1940cinq/sgonca1940cinq.pdf.
Acessado em: 01/01/2021
Revista
O Malho. Disponível em: http://omalho.casaruibarbosa.gov.br/revista.asp?rev=844&ano=1918&pag=32
Ano:1918, Revista:844, Página:32 Acessado em: 01/01/2021